Uma nova paisagem para São Paulo |
Lei possibilita um novo olhar à cidade, agora com bem menos interferência publicitária. Isso é bom ou ruim? |
Lei Cidade Limpa, em vigor na capital paulista desde janeiro deste ano, tem contribuído não só para a regularização da propaganda exterior mas, principalmente, para uma questão que há anos não se via na cidade de São Paulo: a sua paisagem natural e os elementos que compõem o cenário urbano.
O prazo para adequação dos anúncios indicativos das fachadas (aqueles que têm a função de identificar os estabelecimentos comerciais) terminou em 31 de março e hoje já é possível notar a diferença.
Livre de painéis, faixas e cartazes, agora quem passa pela cidade pode contemplar prédios históricos, praças e monumentos tais como foram concebidos e, com isso, renasce uma nova relação com a cidade, bem mais pessoal e afetiva, já que a propaganda em excesso escondia as peculiaridades de cada bairro. Além disso, a retirada das faixas e placas revelou muros e fachadas carentes de manutenção e pintura, que já passam por transformações.
De acordo com o professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU/USP) e coordenador do núcleo de pesquisas do Laboratório da Imagem e Comunicação Visual (Labim) da USP, Issao Minami, essa lei veio para instaurar uma ordem onde já não havia mais regras. “Em São Paulo havia cerca de um milhão de anúncios publicitários e, desse total, apenas cerca de 60 mil constavam no Cadastro de Anúncios (Cadan).
O certo seria cada anúncio ter seu número de registro, o que acabava não ocorrendo na prática” explica o professor.
Ainda de acordo com Minami, a medida radical – de proibir
todos os anúncios das fachadas dos comércios e outdoors – foi tomada para que a organização comece a partir da estaca zero. “Como é que você vai legislar sobre algo que está completamente ilegal. Por isso é que foi decidida a proibição de propaganda no espaço aéreo da cidade”, completa Minami.
Já para o consultor de Imagem de Marca da BBN Brasil e da Rede BBN Mundial, Augusto Nascimento, a medida vem causando um grande prejuízo à cidade. “O prejuízo financeiro é gigantesco para o comércio, para aqueles que estão tendo que tirar as placas e que não sei se terão dinheiro
para colocar outras placas menores nesse momento. Estou vendo milhares de buracos nas paredes, de onde foram tiradas as placas. A cidade ficou muito feia, perdeu vida”.
Polêmica
A lei tem causado muita polêmica, principalmente entre os profissionais da área de comunicação, que não vêem a determinação com bons olhos. Nascimento defende que a comunicação visual não é só propaganda, mas também informação e prestação de serviço e, sem as placas, será mais difícil as pessoas se localizarem e encontrarem os seus destinos. “A prefeitura está prestando um desserviço.
Agora, o cidadão deve estar tentando achar a loja que sabia onde ficava e já não sabe mais porque o prefeito fez sumir as placas. Esse vai botar o carro na rua e, não vendo a placa, vai errar o caminho.
Vai gastar mais combustível e vai causar mais congestionamento nas ruas. Quem vai pagar pela perda de tempo das pessoas e pelos seus custos de gasolina?”, defende.
Males à saúde
Por outro lado, o excesso de placas, painéis, cartazes, cavaletes, faixas, banners, totens, outdoors, back-lights, front-lights, painéis eletrônicos e painéis televisivos pode afetar diretamente o psicológico das pessoas, sem que elas percebam. Assim como os demais tipos de poluição, a poluição visual também causa males à saúde, tais como stress, fadiga, ansiedade, podendo até
mesmo propiciar o início de um processo de depressão.
Isso ocorre porque a superexposição de imagens, dispostas tanto no espaço terreno como no aéreo, exige um esforço muito maior na decodificação das mensagens. “Existe um efeito psicossomático chamado estresse visual que, sem dúvida afeta os sentidos, o bem estar e o equilíbrio emocional de maneira quase que direta” explica Minami. Augusto Nascimento defende o contrário. Segundo ele, São Paulo é uma cidade que necessita de um alto nível de redundância em comunicação visual, para a própria funcionalidade e redução do stress de sua população.
“O urbanismo do século XXI exige mais intensidade de comunicação e não menos, como quer o prefeito”.
Contribuição
A participação da sociedade, organizada em grupos, pode ser decisiva na mudança do cenário urbano.
A Associação dos Moradores e Amigos do Pacaembu mostrou que uma ação bem organizada pode surtir em resultados satisfatórios. A convite da própria associação, professores da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP) analisaram o caso da publicidade na avenida Angélica e constataram que havia um exagero nas propagandas, que atrapalhavam a visão não só de quem
passava pela avenida, mas também dos moradores dos prédios. Sendo assim, as empresas que tinham anúncios exagerados na avenida concordaram em adaptar seus luminosos e totens para
modelos mais adequados.
Ainda assim, na opinião de Minami, para que a cidade fique realmente livre dos exageros, não basta estabelecer novos critérios de fachada. Os próprios comerciantes e publicitários devem ter consciência do que é realmente adequado à divulgação do estabelecimento, respeitando as características da região e, principalmente, as pessoas que vivem no entorno. “A lei estabelece um limite máximo para as placas, no entanto, os comerciantes e publicitários sempre optam pelo máximo.
É necessário que a escolha parta de uma questão ética, para que tanto a paisagem como as pessoas não sejam prejudicadas”, afirma Minami.
Extensão
Em Santo André, existe um projeto de lei semelhante ao adotado em São Paulo, que visa estabelecer critérios com a preocupação de melhorar o visual da cidade. Apresentado pelo executivo, o projeto ainda está na câmara dos vereadores, aguardando a análise das comissões. Caso haja aprovação, a lei limitará o tamanho das inserções publicitárias nas fachadas de lojas e empresas, delimitará locais para instalação de outdoors e proibirá cavaletes nas calçadas, propagandas em viadutos, monumentos e bens tombados, além de panfletagem nas ruas.